"Alaúza"

Quer sossego? Esqueça a Bento

Principal avenida da cidade vira território praticamente sem lei aos finais de semana na madrugada; moradores dizem ter perdido a esperança de uma solução para voltar a ter tranquilidade

Carlos Queiroz -

Madrugada de sábado para domingo, avenida Bento Gonçalves, próximo ao cruzamento com a rua Andrade Neves, em Pelotas. Um Ford Fusion preto cruza em alta velocidade, costurando a via entre outros veículos. A bordo, dois jovens com as janelas abertas para que se possa ouvir o som alto que vem de dentro. Algumas quadras adiante, o sedã estaciona próximo a um posto de gasolina e o motorista se junta a um grupo que bebe e se diverte com as músicas que saem de um dos vários porta-malas repletos de alto-falantes.

A poucos metros dali, em seu quarto, uma moradora do edifício na esquina com a Osório tenta descansar de uma semana inteira de trabalho. Mais uma vez, sem sucesso. Não consegue pregar os olhos, já que janelas, móveis, tudo se mexe no apartamento. Vibra no mesmo ritmo da batida do funk que se repete, incessantemente. "Oh, novinha, eu quero te ver contente. Não abandona o bonde da gente. Que no Helipa, confesso, tu tem moral. Vinha aqui na favela pra..."

Sílvia (nome fictício), 50, não faz ideia de quem seja MC Don Juan, o autor dos versos que, como ela mesma define, "retumbam dentro de casa". Mas conhece muito bem a rotina da Bento durante as madrugadas. Há 12 anos mora no mesmo local e convive com a falta de sossego aos finais de semana. Porém, mesmo para quem conseguiu de alguma forma se acostumar ao barulho de quem faz da avenida o ponto de esquenta para as baladas, as últimas semanas têm trazido mais dores de cabeça que o habitual. "Tenho uma filha de 18 anos e há alguns dias ouvi tiros aqui na esquina, bem no horário em que ela estava vindo para casa. Fiquei muito assustada", conta, referindo-se aos disparos que atingiram três pessoas no dia 16 de julho.

Assim como ela, quem vive próximo ao cruzamento com a rua Santa Tecla vive tenso. O ponto é um dos mais críticos da avenida, onde dezenas de pessoas consomem álcool, drogas e ocupam calçadas e o canteiro central. Brigas são bastante frequentes. É comum que grupos virem a madrugada e amanheçam bebendo e até fazendo churrasco. No mesmo dia dos tiros na Osório, o local também teve incidente semelhante e um homem foi baleado. Moradores do Edifício Maria Faustina se recusam a dar entrevista e se identificarem, por medo de retaliação. Mas não escondem a irritação pela insegurança e a perturbação de sossego na esquina. Luís (nome fictício), 74, é vizinho do prédio há 32 anos. "Já perdi as contas de quantas vezes reclamamos com a prefeitura e chamamos a Brigada, mas não adianta. Quando eles passam por aqui todo mundo baixa o som, depois que vão embora volta tudo."

Funcionário de uma loja entre as ruas Santa Tecla e Marechal Deodoro, Marcelo Costa, 38, diz que em alguns sábados fica difícil até abrir o comércio pela manhã. "Já chegamos aqui 7h15min e ainda havia gente bebendo na porta, com muita sujeira e um mau cheiro horrível de urina", relata.

Enxugar gelo
A bronca de quem mora na Bento faz sentido. O Diário Popular circulou pela avenida durante quase uma hora e meia na madrugada de sábado para domingo (23). Sobretudo no trecho de 450 metros entre Andrade Neves e Santos Dumont a concentração é maior e foi possível flagrar menores de idade ingerindo bebidas alcoólicas livremente, carros estacionados lado a lado com o som alto em frente a prédios e no canteiro central, além de motociclistas correndo entre as pessoas, furando o sinal vermelho e, até, andando na contramão.

Enquanto a reportagem permaneceu no local e flagrou as ações reclamadas pelos moradores, entre 0h20min e 1h45min, nenhum veículo ou agente da Brigada Militar (BM), da Polícia Civil, da Secretaria Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) ou outro órgão público esteve na Bento. O mesmo aconteceu no último final de semana, sem que nenhuma operação tenha sido realizada na avenida no sábado (29).

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Contrapontos
Consultada, a Polícia Civil informou que, apesar de ter conhecimento de muitos episódios na avenida, precisa que as queixas sejam formalizadas para agir com eficiência contra os responsáveis. "Sem o registro ou a denúncia fica difícil agirmos. Isso pode ser feito até de casa, pela internet, no site da Polícia Civil, caso a pessoa não queira ir até a delegacia", comenta o titular da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), delegado Sandro Bandeira. Segundo ele, é preciso um planejamento estratégico de ação do Poder Público para que problemas como estes na Bento Gonçalves diminuam. Caso contrário, alerta, será como continuar "enxugando gelo".

De acordo com o subcomandante do 4º Batalhão de Polícia Militar, major Márcio Facin, essa estratégia já existe e foi colocada em prática nos últimos finais de semana. "Iniciamos um trabalho sistemático, somando esforços com outros órgãos de segurança e fiscalização. É uma forma de mudar esse cenário antigo de perturbação do sossego público. Vamos verificar se houve alguma falha ou se havia necessidade de atuar em outra região no sábado (22). Posso dizer que com esse sistema já estamos conseguindo resultados bem melhores", explica. A BM recebe denúncias através dos telefones 190 e 3227-7171.

O secretário de Transportes e Trânsito, Flávio Al Alam, explica que para agir em locais de grande aglomeração precisa do suporte dos órgãos de segurança e que, em geral, isso tem acontecido. "No final de semana do dia 22 não foi possível porque a Brigada tinha deslocado parte de seu efetivo para uma ocorrência. Porém, podem ter certeza de que estamos e continuaremos agindo." Questionada pela reportagem, a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) garantiu que as blitze estão sendo feitas todos os finais de semana.

Com relação à presença de menores de idade consumindo bebidas alcoólicas, a conselheira tutelar da 5ª Microrregião (responsável pela área central da cidade) Francine Pistoletti afirma que durante as operações conjuntas há sempre a presença de um representante do Conselho. "Não cabe a nós reprimir, somos um órgão de proteção. Sempre que constatamos um menor bebendo ou usando drogas encaminhamos à família ou a acompanhamento, se necessário", explica. Denúncias podem ser feitas 24 horas através do telefone (53) 99118-1661.

Dados
Desde o começo do ano, foram realizadas 20 operações na avenida Bento Gonçalves
- 1.873 pessoas abordadas
- 618 veículos fiscalizados
- 37 autuações
- 10 recolhimentos

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